Ainda que a pandemia não tenha acabado e a Covid19 tenha entrado para o cardápio das chagas humanas a arquitetura já segue com um novo arranjo em suas bases de concepção. E isto se deve em sobremaneira na aceleração do uso de atividades digitais que a sociedade sofreu em decorrência da doença. A tecnologia já existia há um bom tempo, mas seguíamos privilegiando a presença física nos restaurantes, no trabalho, no cinema e nas lojas. Mas isto mudou, e muito, basta ver a proliferação de motoboys entregando de tudo o que se possa imaginar pelas ruas. Se pelo menos eles não andassem em cima das calçadas, na contramão e não dirigissem em alta velocidade cortando os carros e semáforos a gente talvez nem notasse, mas o perigo no trânsito também aumentou. Algo que me lembra o saudoso filme Rolerball de 1975 com James Caan (rindo litros dos ‘Mileniuns’ que não fazem ideia de que filme seja este). Perigos na rua à parte também precisamos assumir que estamos menos presentes nas vias porque o home office cresceu de forma exponencial e os trabalhos à distância idem. Meu próprio cunhado trabalha para uma empresa do outro lado do planeta e nunca encontrou fisicamente nenhum de seus companheiros ou chefe. E nem seus próprios clientes que ficam na Europa. Algumas vezes eu o visitei em sua casa e ele me recebeu na forma mais relaxada possível, de deixar o Homer com inveja, usando moletom e chinelos havaianas e eu o questionei se ele estava de férias pelo que fui prontamente rechaçado com um contundente: NÃO – Estou trabalhando arduamente! Por isto nos perguntamos:
Mas o que aconteceu, por acaso alguma nova tecnologia foi desenvolvida?
Resposta: Não, ela já existia. O que aconteceu é que fomos obrigados a usá-la de forma ostensiva e acabamos por nos acomodar com suas facilidades.
E estas mudanças na forma como compramos, trabalhamos e convivemos causam um impacto enorme na arquitetura e por conseguinte na economia muito além do que conseguiríamos antever. Se por um lado o desenvolvimento tecnológico ajudou o vírus na velocidade de sua propagação usando de nossos meios de transporte que ligam duas extremidades do planeta em 12 horas ele também ajudou a transformação digital a acelerar seu uso em todo o planeta. As consequências e transformações já são visíveis em nossos espaços e nossa sociedade desde o princípio da pandemia. Um exemplo é o comércio eletrônico que já existia e a cada ano abocanhada mais espaço das lojas físicas, mas crescia de forma controlada amarrado na coleira. Só que nos últimos 3 anos rompeu as amarras e cresceu assombrosamente de forma que já posso dizer que a imensa maioria dos estabelecimentos comercias com porta na rua estão com os dias contados. Não vão durar mais de 10 anos. Vão sobrar apenas lojas de showroom que servem para você apenas conhecer e tocar no produto, mas não serve para comprar. Isto será feito exclusivamente pela internet. Se tem alguma dúvida saiba que já existem várias lojas destas em funcionamento como a Deca na Av. Brasil e a Docol na Alameda Gabriel na cidade de São Paulo e várias outras mais. Os shoppings centers provavelmente servirão só para lazer e serviços no futuro, haja vista que as lojas estão aos poucos sendo substituídas por petshops, clínicas de massagem, de estética etc. As lojas físicas vão acabar, ou quase.
Mas e na arquitetura especificamente? O que mudou ou mudará? Já mudou, e muito. A parte de recebimento de entregas acarretou mudanças, e neste caso, mais nos edifícios porque a turma de porteiros de antes da covid não dá mais conta de receber tanta encomenda e Ifood que existem nos dias de hoje. Os espaços das guaritas tiveram que ser reformados e mais gente teve que ser contratada e às pressas. E quanto às residências, por causa do trabalho em home office o quartinho ou espaço de escritório que também servia como quarto de hóspedes agora ganhou notoriedade e uma importância enorme, tanto que nos novos projetos ele já causa uma profunda mudança na planta porque ele não pode ser mais um quebra galho, ele precisa ser altamente funcional, tem que ser de uso só para escritório e estar protegido dos barulhos de crianças, animais, jardineiros etc. O escritório, na maioria das vezes de se elaborar um projeto, desceu as escadas e é alocado no térreo com um possível acesso a mais por fora da residência. E além deste fator a forma como ele é elaborado no quesito de mobiliário também sofreu mudanças drásticas porque agora todos fazemos reuniões ‘online’ e ‘lives’ e por causa disto todos necessitamos de um pequeno estúdio cinematográfico. Haja estante e livro para acomodar tanta sapiência nos fundos de tela!
No quesito urbanismo a localização das residências também foi impactada porque o home office permite que o sujeito possa escolher onde morar e daí para que viver em um local com trânsito e pouca segurança? O interior do Estado de São Paulo recebeu uma enxurrada de pessoas comprando os terrenos de condomínios fechados nos últimos 2 anos.
E se o escritório nas residências e apartamentos mudou o que se diz sobre a parte administrativa das empresas? Ficaram praticamente vazias. A maioria não tem mais 100% de ocupação e nem terá mais porque perceberam também que o trabalho à distância ajuda a economizar em infraestrutura e manutenção. Desta forma as empresas têm reformado seus escritórios para ocupar os espaços vazios com novos ambientes para deixá-los com um aspecto parecido aos da empresa Wework onde o foco é o de proporcionar prazer em trabalhar que somente um espaço dinâmico pode proporcionar. E assim como a maioria das lojas vão desaparecer o tamanho dos escritórios administrativos das empresas deve encolher muito nos próximos anos e cada vez mais nossos lares se tornarão extensões de nossas profissões.
As mudanças estão acontecendo em velocidade acelerada e a cada dia o mundo digital ocupa ou desocupa os espaços que visitámos outrora por algo que só existe em sistema binário. Não sei discorrer ainda sobre o impacto no ser humano por causa da diminuição do contato físico entre as pessoas e até onde esta transformação digital é benéfica ou não. De qualquer forma ela é inevitável e está em franca ascensão. Mas que estamos nos vendo menos isto é um fato e a cada dia surgem novas tecnologias ou usos da tecnologia que já existia que cada vez mais nos distanciam como a proposta da Meta de transformar os escritórios e reuniões em locais virtuais. O famoso metaverso. A tela do celular é a paisagem mais vista pelo ser humano, tanto que os outdoors já não servem para mais nada porque os passageiros de um veículo em movimento estão sempre olhando para o celular. Aliás até o motorista que devia olhar para via muitas vezes também fica olhando para o celular. A única coisa que tenho certeza é de que não somos digitais, somos analógicos porque temos necessidades físicas que somente o mundo real pode nos prover como luz, alimento, banho, ar e outras necessidades básicas. A única coisa que podemos fazer por enquanto é acompanhar e esperar para ver como vamos nos adaptar. E mesmo que eu tenha receio desta revolução digital eu torço para que o algoritmo te encontre e você possa ler meu texto.